O bode e o pastor, símbolos de resistência

Rebanhos de caprinos se concentram no Nordeste, 90% deles estão na Região

Texto: Vanessa Lins
Foto: Igo Bione

São cinco horas da manhã numa estrada de terra do município de Sertânia. Nem bem começou o dia e já se ouve os principais moradores daquele pedaço de terra, bem-te-vis, xexéus, galos de campina, rolinhas, asa branca de bananeira. De longe, ouve-se também um zunido constante. Aos poucos, desponta na paisagem um senhor de camisa laranja montado numa motocicleta magrela. Desce, abre a porteira de madeira, encosta o meio de transporte numa casa velha, onde guarda objetos para a lavoura, e segue para o curral com bodes, cabras, ovelhas e vacas leiteiras. Alimenta os animais filhotes, faz ordenha e solta os caprinos no campo, onde passam a maior parte do tempo sem exigir cuidados, enquanto o homem se reveza entre o seu pastoreio na fazenda Barriguda e os cuidados com os outros rebanhos, que não passam de 50 exemplares cada. Esse é seu Amaro Lafayette, um pastor sem cajado, que repete essa rotina todos os dias. Faz isso porque gosta, não tira renda dos animais. Ele prefere os caprinos, fáceis de lidar, mansos, dispensam atenção especial, viram-se sós na paisagem irregular da propriedade, sob sol sempre a pino, repleta de urtigas, palmas, quixabeiras, favela, umbu, quando na época, mameleiros, catingueiras, juazeiros, principais alimentos dos bodes soltos.

Mesmo sem saber, seu Amaro ajuda a dar continuidade à permanência do animal mais adaptável às condições sacrificantes do semi-árido do Nordeste. Bodes e cabras são os verdadeiros símbolos, e parceiros, do homem sertanejo, privado de recursos naturais, como água, e castigado por sol latejante nos 365 dias do ano. Ao Brasil, três estrangeiros respondem pela introdução dos bichos - portugueses, franceses e holandeses. Mas do desembarque à tomada do Sertão, a adaptação levou tempo e custou perda produtiva. O processo de seleção natural determinou aquelas raças com maior resistência ao clima, à escassez alimentar e enfermidades.

Antes até de se embrenhar pela caatinga, porém, o animal vagou pelo litoral. Esse vagar pelos dois habitats fez o animal desenvolver mais rusticidade. Logo, adaptou-se, como bem definiu o sociólogo Câmara Cascudo: "No Sertão, jumento não morre de fome nem bode de sede", situando a habilidade extraordinária dessa espécie, pouco exigente quanto à comida e aos extensos períodos de seca. Tal qual o sertanejo, por pura necessidade, sobrevive às mesmas intempéries típicas. As primeiras etnias introduzidas no Brasil foram serrana e charnequeira. Hoje, a região Nordeste concentra 90% do rebanho brasileiro, segundo dados da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação.
Formam o núcleo dos caprinos cabra e bode, fêmea e macho adultos - a partir de oito meses -, respectivamente, cabrito o animal até quatro meses, que, e mais recentemente a nomenclatura baby bode define os que ocupam a faixa entre quatro e oito meses. Vivem até dez anos. Tanto cabras como bodes têm chifres, ferramenta natural de defesa no campo e de auxílio na quebra das vegetações mais rígidas que encontram pelo caminho, como o cacto. Não confundir, portanto, com ovinos, outra família de ruminantes composta por ovelha e carneiro, adultos, e cordeiro, o animal novo.

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