Um queijo para chamar de nosso

Com a cara de Pernambuco, o coalho é destaque na bacia leiteira do Estado



Texto: Renata Farias
Fotos: Andréa Rêgo Barros

“O queijo coalho é um queijo que está presente em todos os lugares - no café, no almoço, no jantar, na ceia, nos bares, como acompanhamento; está presente nas praias, em praças públicas, onde se apresenta no espeto. É um alimento que tem o rosto de Pernambuco”. A frase da pesquisadora de gastronomia e colunista de Sabores, Lectícia Cavalcanti, resume a onipresença e, claro, toda a importância do queijo coalho para o Estado.

Historicamente, o surgimento dessa iguaria por aqui leva aos engenhos. “Os registros de fabricação dos primeiros queijos remontam às casas grandes do engenhos, sempre com a supervisão das senhoras portuguesas. E ainda hoje essa técnica de fazer queijo existe em alguns pontos do interior do nordeste do Brasil. Toda a região do Agreste tem muito queijo de coalho feito exatamente assim, porque é uma maneira de subsistência de toda aquela população”, detalha Lectícia.

Mas, reza a lenda, o coalho foi descoberto por um acaso. Dizem que, na pré-história, um viajante atravessava uma região muito seca da Ásia carregando apenas algumas frutas secas e um cantil feito de estômago de cabra com leite do próprio animal para saciar a sede. Após muita caminhada debaixo do sol escaldante, ele resolveu dar uma parada para descansar e se alimentar. Quando foi beber o leite do recipiente, deparou-se com um líquido ralo e claro, um soro na verdade.

Curioso, este homem resolveu abrir o estômago do caprino que usava como depósito para entender o que tinha acontecido. E descobriu que parte do leite havia se transformado numa massa branca, que embora fosse levemente ácida, não era desagradável ao paladar. Isso havia acontecido com o leite devido ao coalho - rico em numa enzima chamada renina, presente no estômago de animais - ter coagulado o leite transportado pelo viajante. O andarilho não sabia, mas havia acabado de surgir um dos primeiros exemplares de queijo coalho. Se a descoberta veio da Ásia ou não, não importa - e nunca haveremos de saber se tal lenda é real. O fato é que o queijo coalho, hoje, é incontestavelmente considerado um produto genuinamente pernambucano. E são diversos os fatores que corroboram para isso.
Coalho em busca de selo de indicação geográfica como produto de Pernambuco
Há três anos, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) classificou o Nordeste como o quarto produtor de leite do Brasil. Sendo Pernambuco o segundo maior da Região, com 726 milhões de litros, o Agreste respondia, na época, por nada menos que 79,1% da produção local, simbolizando ¼ do Estado. Formam esse cordão de leite os municípios de Itaíba, Buíque, Tupanatinga, Pedra, Venturosa, Caetés, Capoeiras, Garanhuns, Correntes, Bom Conselho, Saloá, Iati, Paranatama, Águas Belas, Lajedo, Cachoeirinha, São Bento do Una, Pesqueira, Sanharó, Arcoverde, além de Bodocó, Exú, Trindade e Afrânio, produtores do Sertão.

Graças ao expressivo volume de produção de leite de vaca, essa área ganhou o "rótulo" de a bacia leiteira pernambucana. Dentre os subprodutos do insumo, o que merece, e tem maior destaque é inegavelmente o queijo coalho. “Pernambuco tem uma bacia leiteira que se aproxima de dois milhões de litros de leite por dia. Pelo menos 40% deste leite é destinado à produção de queijo de coalho”, revela o consultor do Itep/Sebrae-PE, Benoit Pasquereau, no vídeo “Coalho, um queijo pernambucano", lançado no ano passado, sob o comando do chef César Santos.

A importância de um laticínio do Agreste
Produzido no Estado - e apenas aqui em Pernambuco em larga escala - uma média de 80 toneladas por dia, segundo o gerente da Unidade de Negócios Agreste Meridional, do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), Moshe Dayan, o queijo coalho tem conquistado reconhecimento crescente em âmbito local.

Isso é resultado de um trabalho coordenado de produtores, entidades de apoio à pesquisa e negócios e de profissionais de cozinha, que o estão colocando no topo do repertório de ingredientes nativos com valor gastronômico - ao lado de bolo de rolo, Souza Leão, tapioca. Junte a isso, o fato de 100% da sua produção ser consumida dentro dos limites pernambucanos, já que ainda não há autorização para ser exportado para outros estados do Brasil ou outros países. E assim o coalho ganha mais um caráter especial: é consumido exclusivamente em sua terra de origem. Nem na França.

Essa espécie de força-tarefa é essencial para a valorização do produto, para tirá-lo da mesa doméstica do pernambucano, onde reina absoluto do café da manhã ao jantar, passando pelo almoço e lanches ao longo do dia. De todo tipo, com todo grau de acidez, bem feito, mal feito, quase sem furinhos e macio (indicativo de que é bem elaborado), repleto de furos (sinal de defeito do produto). É encontrado nas grandes redes de supermercado, em padarias e vendas de bairro, mercados públicos, em feiras livres.

"Minha mãe, há mais de 20 anos, já havia percebido o potencial do produto e revendia algumas peças trazidas de Alagoas. Eu trabalhava ajudando ela na venda. Acabei tomando gosto pela profissão e um dia, quando ganhei uma aposta, peguei o dinheiro e a primeira coisa que fiz foi comprar uma máquina simples de produção de queijo. O aluguel da pequena casa onde produzia os queijos era pago com o soro que eu revendia. Ter começado a trabalhar com isso mudou a minha vida. Hoje, eu tenho enormes máquinas que podem custar mais de R$ 50 mil e fabrico cerca de mil quilos de queijo diariamente, sendo 275 kg só de queijo coalho", relata o produtor Uziel Valério da Silva, proprietário da Venturosa Laticínios. E alguém ainda duvidava dessa importância?

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