Mandioca: ingrediente verde e amarelo

Raiz e seus derivados formam importante cadeia produtiva em Feira Nova


Texto: Tatyanne de Morais
Fotos: Igo Bione

A 77 quilômetros do Recife, o município de Feira Nova, conhecido como a Terra da Farinha de Mandioca, é um dos maiores produtores de mandioca do Estado. Naquela região, 300 famílias distribuídas em 40 comunidades plantam e colhem entre 500 e 1000 toneladas do alimento ao ano, para venda e consumo de massa, goma e farinha. E graças a esses derivados que chegam às nossas mesas pratos que fazem parte do DNA da culinária pernambucana, como tapioca, beiju, bolos de macaxeira e Souza Leão, pé-de-moleque e outras opções tão apreciadas. Em “Delícias do Descobrimento”, de Sheila Moura Hue, a autora afirma que a mandioca é nativa do sudoeste da Amazônia, presente no cotidiano dos índios tupis há cinco mil anos. Alguns até alegam que Pedro Álvares Cabral, ao aportar no Brasil, em 1500, não só se deparou com os indígenas, mas com os nativos esbanjando-se do ingrediente.
Casa de farinha é instituição no interior do Estado

A farinha de mandioca também se tornou constante na refeição de escravos, uma vez que era mantida como forma de subsistência nas frotas navais. Referência de um produto durável e nutritivo, o alimento, também conhecido como farinha-de-pau e farinha-de-guerra, era opção alimentícia dos bandeirantes, quando saíam em retirada para o Sertão. O ingrediente ocupou até função de moeda - na escassez desta, serviu de escambo na comercialização de escravos. De acordo com o sociólogo pernambucano Gilberto Freyre, não tinha como o item não se tornar base do sistema alimentar brasileiro, sendo utilizado para dar mais consistência a caldos e engrossar outros pratos. A possibilidade de converter mandioca em farinha surgiu da técnica indígena de eliminar o ácido cianídrico - presente na raiz - por meio da evaporação realizada em cozimentos e secagens. É exatamente o teor de ácido cianídrico que diferencia os tipos de mandioca. A chamada mansa, por exemplo, apresenta baixa quantidade, e é conhecida como macaxeira que, quando cozida, pode ser consumida. Já a brava, utilizada apenas para farinha e bebidas, é a que contém alto teor. Na produção de farinha, o seu líquido, a manipueira, é extraído durante a prensagem da massa. Ambas apresentam as mesmas características - casca grossa marrom e parte interna branca.

Aparentemente o plantio da mandioca parece fácil, mas cuidado e cultivo apropriados são obrigatórios. Conforme a Secretaria de Agricultura de Feira Nova, a melhor época para dar início à plantação é durante o período chuvoso, em meados de junho ou julho. Com o solo arado, dividido em fileiras com espaçamento dispostos no sentido leste-oeste - que favorece o aproveitamento da luz - os agricultores cavam um buraco raso e colocam, normalmente na horizontal, os pedaços de 15 a 20 centímetros do fino tronco da planta que é cortado e transformado em manivas-sementes. Cerca de um ano e meio depois, a planta atinge o tamanho ideal, pronta para ser colhida. Após a plantação, normalmente a mandioca segue para casas de farinha. Dali, o produto será transformado em goma, às vezes massa, e principalmente farinha. Primeiro, o alimento é raspado, depois segue para a moagem, etapa na qual a manipueira é eliminada. Em seguida, passa por mais uma moagem para que a farinha fique solta antes de enfrentar dez minutos de forno, onde o item ganha uma consistência mais firme. Depois é o momento de cortá-la ou esfarelá-la, voltar para o forno, para que seja torrada por trinta minutos. O procedimento é sucedido pelo peneiramento e, finalmente, ensacamento. O que diferencia o processo industrial do artesanal, além da forma de chegar ao produto final, é o resultado. Na primeira se obtém uma granulação mais grossa. O gosto e a secagem assemelham-se.

Atividade árdua

De terça a sábado, quase 15 pessoas trabalham na área do forno e da lenha, para receber R$ 0,18 por cada saco de farinha produzido. Já na raspagem, o amplo e mal-conservado salão é tomado por mais de 30 pessoas, algumas sentadas em banquinhos próprios de madeira - que embora acolchoados não oferecem conforto nenhum - outras no chão, sobre milhares de cascas já raspadas. O segundo grupo, por sinal, recebe R$ 2 por cada caçuá completo. O objeto é um cesto de vime ou depósito plástico que comporta uma quantidade superior a trinta mandiocas sem pele. A propósito, cada pessoa raspa em média 40 caçuás por semana, levando em média, um pouco mais de meia hora para encher o recipiente. Além do salário, os trabalhadores recebem três quilos e meio de farinha por semana. Mas em vez de amargura, o sentimento quase uníssono desses trabalhadores é de resignação, e orgulho, em se dedicar ao ofício.

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