Souza Leão, grito de independência

Receita é uma das primeiras com identidade 100% pernambucana

Bolo pecaminoso busca sabor na goma de mandioca e gemas
Texto: Vanessa Lins
Foto: Igo Bione

Portugal trouxe suas próprias receitas de bolo ao Brasil, assim como vários dos ingredientes recorrentes nos pratos do dia a dia e de festa. Tão logo aqui chegou, o colonizador viu-se obrigado a se adaptar à oferta local de insumos para continuar reproduzindo o próprio livro de receitas, o que incluiu permitir-se a uma miscigenação com os africanos escravos e com os nativos, donos efetivos da terra ocupada, os índios. Mas se por um lado, o colonizador mexeu na sua mesa, por pura necessidade, por outro, gente da terra sinalizava a importância da formação de uma autêntica culinária local. Um dos mais simbólicos gestos foi dado por uma certa Rita de Cássia Souza Leão, esposa do senhor do Engenho São Bartolomeu, no povoado de Muribeca, que parou de usar ingredientes europeus. Talvez a principal substituição tenha sido a troca da farinha de trigo pela massa de mandioca. A ela é atribuída a autoria da mais pernambucana das receitas: o bolo Souza Leão, formado pelo tripé massa de mandioca, gemas em abundância e açúcar, além do acessível leite de coco.

De Dona Rita de Cássia aos dias de hoje, milhões de vezes o preparo foi reproduzido. Muitas boleiras fazem. Às cumpridoras desse ofício, uma justa homenagem pela escolha de uma cozinheira especializada no bolo. Do alto dos seus 69 anos, Doralice Souza Lima, ou como faz questão de ser chamada, Dora, uma senhora baixinha e agitada, sempre foi boa de cozinha. Chegou ao Recife aos 14 anos e por aqui fixou residência em um único bairro - a Iputinga. É natural de Paudalho. Manteve um bar no terraço de casa por vários anos. E apesar de guardar nas mãos o dom, sim, a receita da qual falamos precisa de muito talento para estar à altura da sua tradição, de fazer um bolo Souza Leão como ninguém, o interessante é que, apesar dos elogios rasgados de familiares e amigos, os únicos privilegiados em saborear constantemente o quitute de DNA 100% pernambucano, levou "somente" 33 anos para a comerciante mostrar seu talento em maior escala. Há poucos seis meses, assumiu o ofício de boleira de receita única para fazer um extra. Não se arrepende, pois não faltam pedidos. O boca a boca do quão delicioso é o Souza de Dora nos fez correr atrás dessa figura simpática para provar o quitute. Irrecusável é a palavra certa para defini-lo. Amarelo vivo, de textura úmida, tenro, quase translúcido, sabor marcante resultado da quantidade permissiva de gemas: 12 para apenas uma receita. A quem interessar, Dora vende o quilo a razoáveis R$ 20. Prefere arriscar em casa? Então mãos à obra e copie, tente ao menos, o preparo fornecido por ela, mas que não inclui o "amor de Dora", segundo a própria senhorinha, o seu principal ingrediente de sucesso. Encomendas: 3453.7559 e 8578.1552.

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