O ilustre desconhecido de Afrânio

Doce de leite branco, produzido no Sertão, galga reconhecimento






Texto: Tatyanne de Morais
Foto: Marcelo Lacerda

Pouco se sabe sobre a história do doce de leite branco produzido em Afrânio. Os comentários que circulam na cidade, localizada a 789 quilômetros da Capital pernambucana, é que o quitute começou a ser produzido em meados da década de 30 por algumas senhoras do município, entre elas, Dona Joaninha e Dona Moça. Depois disso, mesmo sem conhecer a origem do ingrediente, o item virou símbolo do lugar, sendo atualmente comercializado por 32 fabricantes artesanais, que diariamente se debruçam em tachos, não permitindo que o ícone afraniense caia no esquecimento.

O que torna o produto diferente do doce de leite comum é a cor amarelada, esmaecida, e não o tom caramelo comum dessa guloseima, o sabor e a consistência. Quando bem preparado, é macio, sem contar que algumas das suas gramas podem ser ingeridas rapidamente, sem que o enjoo tome conta do paladar. É vendido em calda, barra - com versão acrescida de coco - e creme. Outro aspecto que diferencia o doce de leite branco do escuro é o tempo de preparo. O comum tem maior duração no forno do que o legítimo de Afrânio. Elaborado com produtos próprios da região, leva açúcar branco e leite de vaca. Alguns recebem sorbato de potássio, para conferir mais durabilidade ao item, evitando o aparecimento de mofos. Porém, segundo experts em doce de leite branco, um bom fabricante não precisa fazer uso do elemento, já que as suas opções não chegam a ficar em estoque. Pelo contrário, são vendidas em pouco tempo.

Produção
Produzir o quitute, qualquer que seja o tipo, é um árduo ofício. Força de vontade para repetir a tarefa diariamente é um dos principais ingredientes. O procedimento começa por volta das cinco da manhã, quando o fabricante sai para a ordenha. No caso de Raimundo Nonato Da Luz, na área há anos, 30 litros são retirados de cinco animais todos os dias. À tarde, a prática se repete, em menor quantidade. Ao voltar para o espaço da casa reservado para a mão de obra, Da Luz coloca o avental e a touca higiênica na cabeça e acende o forno - que tem capacidade para três tachos - com as lenhas já deixadas de lado. Além do equipamento, colheres de madeira, pias e depósitos para esfriamento compõem a cozinha. O que também não pode faltar são janelas, para amenizar o calor do ambiente.

Enquanto a chama aquece, antes de tirar o leite fresco dos depósitos, Da Luz lava as mãos com sabão. Em um recipiente, coleta a quantidade certa que vai à panela. Usa um pano para coar e eliminar possíveis resíduos. A partir dali, cinco tachos são preenchidos e, em cada um deles, por exemplo, dá para elaborar quatro barras. No entanto, como só há três bocas no fogão, duas panelas ficam no aguardo. Em seguida, é o momento de acrescentar o açúcar. Até levantar fervura, algumas mexidas são necessárias. Depois, para que o quitute engrosse e ganhe a cor amarelada, atingindo seu ponto ideal, é preciso movimentar a colher no tacho sem parar, para que não grude no fundo da panela. Cada caçarola leva cerca de trinta minutos para deixar o doce pronto. Para o de calda, são necessários dez litros de leite e três quilos de açúcar, além do ácido lático que dá textura ao alimento. Já o cremoso, a mesma medida de leite e apenas dois de açúcar. O em barra, oito litros e três de açúcar. O volume menor de leite faz com que a consistência mais resistente da barra seja atingida. Porém, não basta conhecer apenas a receita. É preciso saber o momento certo de tirar o doce do forno. Se removido antes, fica mole. Depois, grosso. Ou seja, o instante de retirá-lo é sensível aos olhos de experientes fabricantes. São enformados em moldes de madeira, cada um com dez centímetros de altura e quinze de largura. Para que o item ganhe o físico retangular, dois ganchos de cada lado prendem a forma de madeira. Para que a massa se enquadre ao molde padrão, o cozinheiro usa uma colher para bater no produto, até que o mesmo atinja a feição de barra de doce de leite. Sozinho, Da Luz produz e vende mais de 400 barras (R$ 3,80 a unidade sem coco, e R$ 4 com coco), e 380 potes de creme e de calda (R$ 3,20 cada um) por mês em Caboclo, região localizada a nove quilômetros do centro de Afrânio.

Mas não são apenas modo de preparo, determinação e técnicas que tornam o doce de leite branco especial. O leite de vaca produzido no município, maior produtor bovino e de laticínio da região conhecida como Sertão de São Francisco, soma ao diferencial do doce De acordo com Eliomar Souza, diretor da Cooperativa de Produção Agropecuária de Afrânio (Cooafra), mais de 500 produtores locais produzem diariamente 22 mil litros, desses 3.500 são empreendidos para o fabrico do ingrediente.

Reconhecimento
Para legitimar o seu produto, o município de Afrânio está em busca de reconhecimento para o doce de leite branco. Afinal, algumas cidades já tentam copiar o símbolo gastronômico. Pensando nisso, a prefeitura da cidade tem experimentado articular a possibilidade de certificá-lo. De acordo com o prefeito Carlos Cavalcanti, o primeiro passo será patenteá-lo para que possíveis cópias sejam evitadas. Para isso, a prefeitura tem exposto o produto em encontros políticos e sociais, a fim de tornar o seu ingrediente cada vez mais conhecido. “O doce de leite branco é o cartão postal de Afrânio, que é a bacia leiteira do Sertão. É uma questão de honra conseguir o seu reconhecimento”, defende Cavalcanti.

Serviço
Doce de Leite Q-Sabor - (87) 8843.6890

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